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Dia 4 – Bogotá

 

Não temos tempo. Bogotá está no roteiro como cidade de passagem entre Caracas e Santa Marta. Dentro de algumas horas entraremos no avião, mas entretanto, Sérgio aguarda-nos no aeroporto com os nosso nomes num cartaz, pão e café colombiano quente. É com ele que faremos uma travessia rápida pela cidade que repousa num vale.

 

Há uma montanha no horizonte, o verde ainda mais verde que o verde venezuelano. O carro desliza pela estrada deixando antever pelas janelas um arco-íris de casas, em direcção ao topo do monte X, onde os olhos podem livremente passear-se por uma cronologia histórica de construção que hoje alberga os 9 milhões de habitantes: as casas pequenas que vão dando lugar a edifícios em altitude, um já misto de arquitectura que se aglomera num circulo de vegetação. Perseguimos o dedo de Sérgio, apontando para os pontos principais que incluem a universidade, a Plaza X, a zona mais moderna da cidade.

 

Descemos em direcção à Plaza Chorro de Quevedo e temos a impressão de ter entrado numa maquina do tempo. As casas são pequenas e coloridas cobertas de flores, com portas e janelas ornamentadas e há estradas que escapam ao alcatrão numa pequena praça onde as linhas de triângulos permitem imaginar a existência de uma festa popular permanentemente. Há homens sentados em bancos de madeira como se Bogotá fosse uma aldeia. Dizem que foi aqui que nasceu a cidade. “Aqui se respira lucha” lê-se após alguns quilómetros aos pés da estátua X na imensa praça X onde repousam centenas de pombos, se engraxam sapatos e se aproveita o sol. O Parlamento convive com a catedral num espaço onde se formam os grandes movimentos. Reivindica-se. Contesta-se, conta-nos Sérgio, como se oferecesse pedaços da história colombiana. 

 

O  sol que agora é chuva e voltará a ser sol na Rua T polvilhada de jovens, bares e restaurantes num movimento pacato de dia da semana no qual os turistas escasseiam. Escapamo-nos para o Andrés sem saber ao certo se entramos numa galeria de arte ou se estamos num club, ou se será porventura um restaurante de decoração delirante. Somos agora uma mesa cheia de pessoas que embrulham a língua em lulu, carnes grelhadas, batatas embebidas em molhos, numa dança de sabores típicos que entra e deixa rapidamente a mesa até que reste apenas, numa mesa limpa, a tradicional aguardente colombiana até que as horas nos levem à hora que não desejamos ainda do voo para Santa Marta.

 

Santa Marta - Ainda dia 4

 

As portas do aeroporto abrem-se e o ar chega-nos como um murro no corpo, como se os pulmões tivessem sido apertados. A noite é tórrida e abafada. Respiramos fundo. Reaprendemos a respirar o ar húmido e pesado. Esta noite haveremos de parar em quase todos os hotéis perto do centro de Santa Marta. Como haveríamos de saber que é semana de descanso para os estudantes e que Santa Marta é o spot? Mas haveremos de encontrar um hotel.

 

Dia 5

 

Chegamos finalmente à praia de Rodadero, de areia negra e água turquesa parada como um caldo quente. À medida que as horas passam o areal enche-se de vendedores de comida, bebida, roupa e de massagistas. Um após outro, aproximam-se chamando-nos de principescas e reynas num misto de flirt e tentativa de venda. Adriane quer saber de onde vimos, estranhando a cor clara dos olhos, desconfiando se somos de Medijin. O caribenho é na verdade um engatatao. Nunca esconde quando uma mulher lhe agrada, usa a sedução para vender o produto.

 

Rapidamente, muito rapidamente a praia enche-se de turistas latinos. A pequena extensão de areia rodeada de edifícios recheados de hotéis, restaurantes e lojas para turistas transforma-se numa discoteca. Ha música alta que sai de pequenos rádios enquanto o por do sol se inicia e os corpos vestidos dentro de água seguram coco locos. Outros entram em rixas, numa tour lenta pela cidade, cheia de cocktails e música.

 

Ensurdecem-nos as buzinas. O transito é caótico e sem regras em estradas onde as buzinas são usadas para contestar, para saludar, para simplesmente dizer-se presente. As casas, pequenas, coloridas e pobres, de portas abertas para a rua, confundem-nos se serão habitações ou comércio. Homens cortam o cabelo com os pés quase na estrada de terra em ruas repletas de pessoas sentadas por todas as partes. Enquanto isso o taxista e a esposa alimentam a curiosidade sobre a Europa e o estilo de vida europeu, deixando-nos num shopping de arquitectura moderna, completamente deslocado da imagem desta zona da cidade, desejando-nos boa sorte e recomendando cuidado.

 

Havíamos traçado planos para descobrir o Tayrona, mas uma vontade mais forte de partir leva-nos a chegar mais cedo a Cartagena e passar um dia a mais na cidade. Não nos haveremos de arrepender da escolha.

 

Dia 6 – Partida para Cartagena

 

 

O corpo ainda não se habituou à forte humidade, trago um peso na cabeça e no corpo que não sei como tratar. A viagem de autocarro entre Santa Marta e Cartagena é tão cheia de contrastes que tenho a impressão de ter avançado fronteiras e continentes. Escrevi: o interior de Santa Marta é recheado de casas pequenas, coloridas e pobres, ruas de terra, pessoas sentadas na berma das portas, pequenas barracas de comida e bebida. De repente, erguem-se prédios altos, há um shopping que parece separar os dois territórios. Estamos visivelmente numa zona mais rica. Há música caribenha na rádio “la vida hay que saber llevarla”, diz o cantor. Atravessamos Magdalenaha e surge um imenso lago, um retrato que parece chegado da Ásia. Ha casas de madeira e chapas que parecem flutuar sob o rio, pessoas que vendem peixe na estrada, vendedores colados aos vidros dos carros desesperados por fazer dinheiro.

 

O mar torna-se subitamente mais azul. É Barranquilla: de prédios modernizados e de construção recente e resorts espalhados pelo areal.


Chegamos a Cartagena. A cor da pele aclarou, olhos claros aqui e acolá, como se algumas horas nesta carrinha nos tivesse trazido a um outro país. A fome leva-nos ao feijão preto e arroz de tomate, carne e banana frita por alguns pesos antes de entrarmos no mundo das cores ali dentro da cidade amuralhada, um pedaço de mundo ainda meio preso no passado.

 

Um homem puxa um carro de madeira e rodas de ferro pela rua, carregado de frutas tropicais, um pequeno rádio a acompanhar o ranger das rodas enquanto finalmente avançamos o arco de pedra e estancamos frente a casas coloniais de varandas carregadas de flores suspensas, pátios internos rodeados de plantas tropicais, paredes pintadas de cores fortes, vendedores espalhados pelas ruelas estreitas, um cheiro doce a comida e fruta, sempre fruta, em todas as esquinas. A cidade amuralhada parece-nos uma viagem ao passado com o som das ondas ali do outro lado da muralha a acompanhar-nos por pequenas praças onde reina o amarelo, o azul, o vermelho, as rosas e as margaridas, turistas sentados em cadeiras espalhadas em torno de esculturas e homens com boca cheia de piropos e miúdas com longos vestidos cheios de rendas que são fotografadas.

 

Bocagrande avista-se do topo da muralha. Edifícios modernos, altos e aglomerados como uma língua para o mar do Caribe face a uma marina cheia de barcos que lembram filmes de piratas, pescadores e homens deitados sobre as muralhas, como se fosse possível abandonar o passado e avançar para o futuro percorrendo apenas alguns quilómetros de distância.

 

É quarta-feira. O corpo descansa pela primeira vez no pátio do hostel a alguns minutos da cidade amuralhada. Há reggae nas colunas, o som da água que cai da fonte para a piscina, corpos de molho na água fresca a tentar escapar do imenso calor. Um rapaz deitado na imensa cadeira lê a economia do consumo, enquanto um rapaz alto, loiro, olhos azuis da bisavó russa se senta a meu lado. Collin é americano, mas traz consigo a chama de viajar, ensinando inglês aqui e ali, sempre só mas sempre rodeado de pessoas num sorriso carregado de paz e dedos que dedilham uma guitarra, pés por norma descalços, um travo de brasileiro na conversa e rastos de um rapaz de Colorado haverá de nos acompanhar nos dias em conjunto com Agustina e as suas palavras carregados de xs argentinos.

 

É quarta mas nunca há semana em Cartagena. As janelas e as portas estão sempre abertas, há sempre música e cocktails, vestidos curtos e decotes, salsa e movimentos sensuais, perguntas sobre Portugal ali tão longe no mapa numa facilidade de conhecer pessoas quase surpreendente, o tempo que nunca parece suficiente nesta cidade.

 

A cidade volveu-se louca com o jogo de apuramento para o mundial contra o Chile. Todos carregam a camisola da selecção, o orgulho visível no rosto, a segurança de que haverá festa, ganhem ou percam porque “na vida não há tempo para tristeza. Vivemos para festejar. Haverá sempre uma cerveja e algo que comemorar”, diz um colombiano de sorriso aberto. De repente somos todos colombianos. As buzinas e vuvuzelas enchem o ar de ruído constantemente, numa cidade totalmente parada para assistir ao jogo. Quando o jogo terminar não estaremos mais em terra Colombiana. Estaremos a bordo do barco ‘Victory’ rumo às ilhas de San Blas.

 

Maria é uma mulher marcante. Olhos negros penetrantes, cabelo longo, ondulado, preto, sorriso constante, conversa fácil como se tivéssemos estado sempre presentes na vida, fala-nos da família sem esconder saudades enquanto nos conquista o estômago com pratos cheios de cor e sabor. É ela quem nos recebe a bordo do Victory enquanto o sol se põe e aguardamos a chegada do capitan Hernando. “Vou ser avô de novo”. Ouvimo-lo gritar ainda antes de chegar à embarcação. Os olhos azul mar visíveis desde metros de distancia chegam a transbordar de alegria. A história da filha que ainda estuda mas que lhe trará o neto sai-lhe rapidamente da boca para fora enquanto prepara o barco para a partida. Um longo abraço entre Maria e Hernando determinam que é tempo de ir.

 

Cartagena parece boiar sobre o mar enquanto se escuta a salsa alta para comemorar do empate da Colômbia. As luzes da cidade estendem-se pela ondulação deixando em nós um rasto de nostalgia. Apetece-me pedir que regresse para perder-me sem tempo definido no sitio das cores e sangue quente, enamorar-me da cidade que não parece preocupada em ter mas sim em ser. Mas as sete pessoas e o cão seguem calados dentro do barco, de olhos postos nas luzes até que estas sejam já apenas um pequeno ponto na imensidão negra da noite em alto mar.

 

Depois de nos habituarmos à ondulação o barco parece-nos um berço que nos embala, para lá e para cá, a sonolência que chega envolvida neste cheiro forte a mar que nos perfuma a noite.

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