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Estes pequenos pedaços de textos foram retirados directamente do caderno que me acompanhou ao longo da viagem. Pequenos apontamentos dos locais e das pessoas que nos acompanharam nesta descoberta.

Bolivar

Espanhol

Venezuela

a cidade onde as mangas caem do céu

Outubro 2013

 


Um tiro. Dois tiros. Três tiros. Quatro. Cinco. Seis. Seis tiros na cabeça. É noite cerrada ainda. Quatro horas, madrugada dentro. Seguimos num jeep antibalas, de olhos postos nas imensas luzes ao longo das encostas das montanhas. Um rapaz foi morto com seis tiros na cabeça durante um assalto. A história das muitas histórias que escutei perseguem-me enquanto seguimos estrada fora, com a visão presa às favelas, rumo ao aeroporto. Terei saudades tuas Caracas?
Primeiro o mar, azul. Depois, as montanhas, vestidas desse verde tropical. De testa colada a janela do aviao, vislumbro Venezuela. Um leve desvio dos olhos e o cenario altera-se. Ali estao as favelas, em contraste com o mar, postal de quem chega pelos ares e de quem desembarca em terra. Com a abertura automatica das portas do aeroporto enche-se-nos os olhos de montanhas costuradas de pequenas casas ao mesmo tempo que nos invade o calor humido e abafado. Caracas.
 
Estranhei os vidros esfumados nos carros. Estranhei os predios de janelas gradeadas. Estranhei uma cidade abracada por favelas. Enquanto presos no transito caotico de Caracas, olhava um cartaz gigante colocado sob os tectos de uma das favelas, a escassos quilometros do aeroporto "Es necesario vivir viviendo". O carro desliza mais uns metros. Ha guarda-costas em motociclos dispostos a dar o corpo em troca do corpo de outro, para que nao seja um dos mais de 24 mil assassinados no pais, num so ano. Os predios parecem carregados de anos. Tenho a impressao que choveu e a sujidade do tempo ficou ali, escorrida, o cinzento apoderado deles em contraste com a plantacao tropical em redor, o verde no cume das montanhas, a cidade encaixada num vale. Dizem que e apenas falta de manutencao, que a maioria dos edificios nao tem mais do que quatro maos abertas de anos. O carro desliza de novo.
 
Os aneis, as pulseiras, os colares, as roupas 'vistosas' ficam dentro da mala no apartamento. Visto uns calcoes e uma tshirt e saio, impedida de caminhar em ruas sem turista, de novo num carro de vidros esfumados por ruas de muros altos e arame farpado, condominios fechados e segurancas em pequenas caixas, em busca dos restos de Historia. Os edificios que nao se coadinavam com a politica de Chaves foram destruidos. Restam algumas fotos e a memoria de alguns. A do meu tio, por exemplo. E ele quem nos acompanha.
 
 
                                                                                                                 (CONTINUA)

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