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16 Setembro 2013


Dona Ângela é uma dessas mulheres do Norte. Espevitada no sorriso e nas palavras, de xaile a cobrir-lhe o corpo e a longa história de vida a saltar-lhe boca fora. Mal entramos sentimo-nos imediatamente em casa, tiramos à pressa os telemóveis, as máquinas fotográficas e os blocos nessa urgência de a captar e ela, curiosa e envaidecida, quer logo saber quem somos. E nós perdemo-nos entre os móveis antigos, as rendas espalhadas por ali, as toalhas que adornam as mesas e as imagens de peixeiras das Caxinas nas paredes, que Vila do Conde haverá de ser sempre a terra mãe desta mulher. Parece que o sofá foi trocado por um balcão de vidro gasto, há um pequeno rádio onde piscam luzes de cores diferentes sintonizado numa dessas estações locais. Apetece-nos começar um bailarico enquanto Dona Ângela deixa a antiquíssima renda de bilros com que se entretia, faz chegar as cervejas ao balcão e fala dos retratos sobre o frigorífico. A neta resolveu apelidar o espaço de Tasca D’Avó e colocou o título em folhas A4 coladas num espelho e na porta de entrada. A Tasca D’Avó é uma sala transformada em café, com a vida toda lá dentro, os clientes que escasseiam e a muita vontade de conversar. Houvesse tempo.

“Ide. Ide. Gostei muito de vos ter cá.” E nós lá vamos, Rua da vitória fora. A chuva cessou surpreendentemente, mas as ruas, essas continuam despidas de gente. É domingo à tarde. Sobra-nos a vontade de engolir paisagens, de ver este Porto por inteiro, seguindo a calçada velha e gasta. Uns passos bastam para encontrarmos o fim da rua e mergulharmos no que parece ser o pátio de um prédio abandonado. Chamam-lhe miradouro da Vitória. Como uma grande varanda sobre a cidade surge-nos diante dos olhos um Porto cinzento (talvez porque é Inverno ou porque o Porto se sente nesta cor), repleto de prédios antigos atolados, de telhados vermelhos e sujos, separados por escadarias ingremes e ruas apertadas. A Sé erguida no topo da cidade dá de caras com a Serra do Pilar na vizinha Vila Nova de Gaia, separadas apenas pela centenária Ponte D.Luís. Há um (quase) estranho suspiro que se solta enquanto se olha o rio Douro que reflecte um céu carregado. Corre um vento frio que nos impede de permanecer muito mais tempo ali e penetramos assim de novo pelas ruas com fachadas antigas de cores esbatidas, janelas imensas e varandas estreitas com flores coloridas e roupas penduradas, em prédios revestidos de azulejos (os que restam) com mulheres que espreitam por entre as cortinas. Ouvem-se vozes de adultos e crianças. Vozes que saem do interior destes edifícios com lojas que se orgulham de ter cumprido mais de 100 anos.

A velhice fica-lhe bem
 
Cheira a história quando caminho por este imenso ‘bairro’ colocado entre a reconhecida Torre dos Clérigos, na baixa da cidade, e a Ribeira, construída aos pés do rio. Nada parece ter mudado e no entanto a idade sente-se na sua 
estrutura. Há um Porto que já não existe. O Porto que vi, sentada em frente a uma tela no Centro Português de Fotografia, há menos de uma hora, foi lá longe. Desapareceram os coches. Eles e as ruas em terra batida ficaram presos em imagens datadas a anos anteriores à década de 60. Permanecem porém os cheiros. Esse cheiro a quase maresia pelo qual nos guiamos vielas fora, sempre a descer. Falam de pataniscas (ou serão iscas?) e de licores estranhos e é já o olfacto que nos faz prosseguir, agora com os pés na Ribeira, entre as arcadas de pedra, de olhos no imenso Douro, com os tradicionais Barcos Rabelo sob as águas calmas, e o nariz nos restaurantes de portas abertas. Cheira a fritos por entre estes prédios em linha recta colados uns aos outros, diferentes apenas na cor e na fachada. Uma imensa zona ribeirinha que segue a linha do rio e que muitas vezes se vê invadido por ele quando o leito já não aguenta as pesadas chuvas. De repente damos de caras com as iscas (ou serão pataniscas?), encerradas numa vitrina encerrada. Ficarão para depois. Seguramente. Como dissemos à Dona Ângela somos apenas umas pessoas a caminhar por aí e a escrever umas coisas.
 
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