top of page

       O tempo

         que foi

 

Neste último mês usei tanto a palavra saudade que temo te-la rompido. Como se a língua fosse esses sapatos de que tanto gostamos e que tantos usamos até que a sola desapareça e os tenhamos de deixar. Não sabia o que fazer com isso a que chamam saudade. Não sabia, na realidade, se seria real saudade ou apenas um vazio que a distância escavava. A única coisa que percebia era que quanto mais ocupados fossem os dias, quanto mais acções e pessoas colocasse dentro das horas mais fácil era esquecer esse buraco, não o esquecendo de todo. Os perfumes, os olhares e os sorrisos lembravam-me outras pessoas que não aquelas e, de certa forma, era como se continuassem comigo. Não percebia se era ilusão ou se seria apenas o destino a dar-me um mão que roçasse a leveza do ter afinal não tendo. Afinal de contas o vazio que me parece saudade é suportável. Basta abrir os olhos e enche-los de coisas, de momentos e de pessoas. Porque na verdade ainda não sei o que é saudade. O tempo dar-lhe-á real corpo e forma, criará uma sala dentro de mim onde se possa instalar até ser saciada.
 
Não consigo perceber se os 6 meses numa outra cidade me transformam numa turista a longo prazo ou numa emigrante a tempo determinado. Desço do autocarro diariamente e deparo-me com os turistas voltados para a casa branca, olhos nos telemóveis e nas máquinas fotográficas 
e ainda sinto ter de de parar, virar o corpo e observa-la um minuto que seja, imaginando que decisões estão a ser tomadas dentro daquelas enormes salas cujos candeeiros se avistam do parque em frente. Há um homem nesse parque. Não sei há quanto tempo ali estará. Numa pequena cabana de papel e cartazes a apelar à paz, ao fim das intervenções militares e a um sem numero de causas que quer vencer, quase que o seu corpo se perde entre as letras e os cobertores para fugir ao frio. Ninguém o olha. Nunca ninguém o olha porque ele esta do lado errado da rua. Os turistas não querem fotografar movimentos, querem a beleza das colunas envolvidas em repuxos de água entre o verde que começa a desbravar por entre a neve. E eu absorvo-a. Esta washington de ruas largas e abertas, feita para ser respirada, de prédios que não magoam o pescoço. Ainda danço sobre ela, a conhecer-lhe o ritmo e o corpo, os passos com que se dança esta musica eclética.
 
Estou a apre(en)nder-te Washington. Um mês de um tempo que não se conta pelos dedos. Vive-se.

Gostou?

Partilhe

                  

10 Març0 2014

bottom of page