ÁFRICA DO SUL
DENTRO DO KRUGER NATIONAL PARK
Rand
Ingles
Eu e a minha mãe partilhamos um desses vícios de domingo de manhã, ver o programa da BBC Vida Selvagem. Talvez por isso tenha deixado de ir a zoos nos últimos anos, por serem lugares tristes que nada têm de selvagem ou de liberdade. E todos sabemos que ninguém que viva enclausurado pode ser feliz, tal como sabemos o valor de se ser livre. Hoje quando atravessamos o extenso e verde Kruger National Park com cerca de 400km houve um turbilhão de emoções a atingir-me. A beleza da natureza não se descreve em palavras, chega antes em forma de sentimentos. O nosso guia Charles desbravou connosco quilómetros e quilómetros para vermos girafas, elefantes, zebras, rinocerontes, hipopótamos, impalas, búfalos e tantos outros naquela que deve ser a sua casa. Todos os dias dois rinocerontes são aqui mortos. Só neste parque. Juntam-se a eles os elevados assassinatos de elefantes. É possível que a continuar assim antes de 2050 a espécie não exista em África. A troco de marfim. De dinheiro. É difícil entender. Muito. Quando se olha na face de cada um destes animais dá-se no estômago um nó de impotência e percebe-se, sobretudo, que talvez as próximas gerações apenas os possam ver em fotos. Não é este o mundo que deveríamos querer!
Charles Nel faz Safaris há 22 anos. "Ainda sou novo nisto", avisa-nos pouco depois de nos apanhar no hotel, fazendo-nos soltar gargalhadas. O safari de hoje não fazia parte dos planos, mas temos a impressão que levar-nos parque fora é um prazer que não pretende esconder. Avançamos por uma das muitas entradas que rodeiam os mais de 400km do Kruger e que acolhem mais de 140 espécies, ávidas de vida selvagem, mas pouco preparadas para as emoções que aquela extensão de terra nos impregnará.
O ar é quente e pesado e nos rios a água escasseia face ao longo período de seca que a zona sente. Os animais escondem-se nas sombras existentes, fugindo ao calor e dificultando que os vejamos. Diz-nos Charles que apenas 5% do parque é explorado para safaris, a fim de causar o menor impacto possível no habitat e permitir, desta forma, que os animais possam viver em pleno estado selvagem. A grande extensão de terra é, contudo, um inimigo. Apesar da tecnologia e unidades de controlo existentes, é difícil fiscalizar a entrada ilegal de pessoas no terreno. Dois rinocerontes morrem diariamente aqui. Os dados apontam ainda que em 2016, 19 elefantes foram mortos e que a tendência é para que os números aumentem, fazendo do tráfico de marfim um crime de difícil combate na África do Sul e restantes países.
"A África é um jogo de paciência. O Kruger também. Tem o seu próprio ritmo", avisa Charles. É um ritmo lento, movido de acordo com o sol para aqueles que anseiam encontrar os "big five" - o termo histórico outrora usado para denominar os animais mais perigosos, é hoje utilizado para descrever o top cinco dos animais mais populares e excitantes num safari - leões, elefantes, leopardos, rinocerontes e búfalos. O jipe desliza pela terra árida de onde se avistam longos pescoços de girafas em busca do topo das árvores, zebras em grupo, impalas e antílopes em grande número que acompanham quase sempre o cenário, babuínos que se passeiam estrada fora. Mas as horas caminham e receamos não avistar os 'grandes'. As primeiras horas da manhã e os finais de tarde, menos quentes, são períodos de ouro para se avistar o maior número de espécies: o sol cai lentamente, o calor refreia um pouco, a luz diminui, os animais abandonam as sombras. O sol punha-se devagar nas traseiras das montanhas quando avistamos os primeiros elefantes. Delineados pela luz ainda restante, uma família alimentava-se junto ao rio e tivemos a impressāo de estar perante uma dessas imagens únicas que apenas África consegue oferecer. Charles parou o jipe e ficamos até que o horário do parque nos obrigou a partir.
Enquanto nos dirigíamos em direcção aos portões do Kruger avistei os rinocerontes, entrecortados pelo arvoredo. Charles começou a emitir sons para que voltassem os rostos e os pudessemos ver claramente. Ei-los. Presas do homem, vítimas de um negócio de milhões e, porém, tão majestosos no seu habitat.
"Apenas mais um dia em África", ouvimos Charles dizer com sorriso no rosto e braço esticado sobre o banco do passageiro à medida que abandonamos o parque, atravessamos rios largos com crocodilos e longos campos verdes de milho. Faltam-nos três espécies para concluir os big five. Esperaremo-los amanhã, enquanto o sol se levanta na África do Sul.
São cinco da manhã e esperamos sentados no exterior do hotel por Michael, o nosso guia da manhã. À chegada uma promessa: ver os big five em uma hora. Michael faz safaris há seis anos e entre as histórias que conta gosta de recordar as 300 cabeças de búfalo que viu em aglomerado. Uma das imagens mais belas de toda a sua vida, garante-nos. Às seis da manhã em ponto, os portões do Kruger abrem-se enquanto o sol sobe as montanhas nas nossas costas. É uma corrida contra o calor. Assim que ele se fizer sentir os animais esconder-se-ão. Ainda não havia passado uma hora e já tínhamos avistado quatro dos big five: elefantes, rinocerontes, búfalos e o esbelto leopardo sob um silêncio impressionante, apenas interrompido pelo click das câmaras, já que o mínimo movimento pode ser considerado sinal de ataque, e transformar-nos em presas fáceis. Faltava-nos apenas um, o rei da selva.
Michael abranda a velocidade e coloca os olhos na lateral do jipe. Rapidamente percebemos que seguia as pequenas marcas das patas de um leão. A excitação cresce dentro do grupo. O leão é o animal mais ansiado. A voz ecoa pela rádio dando indicações aos restantes grupos, num frenesim de vozes com coordenadas. As marcas param. Estamos frente a um grande descampado, algum arvoredo aqui e ali. Saltam os binóculos do assento e a tão aguardada afirmação chega. A juba denunciou-o. Um casal descansa debaixo da vegetação, vários metros à nossa frente. Minutos depois vários jipes estacionam e aguardam. Esperamos todos. Os guias emitem sons, provocam barulhos, alteram a posição numa tentativa de se os visualizar melhor, de os fazer mover para o sol. O silêncio é subitamente entrecortado pelo avistar de uma pantera a apenas alguns metros de nós. Ali, entre a sombra, o negro do corpo que se mexe rapidamente, os olhos amarelos a denunciarem-na. Em poucos segundos perde-mo-la de vista. Os olhos voltam-se novamente para o leão e leoa que parecem não querer e não vão fazer-nos a vontade. No entanto, os big five estavam concluídos.
A restante manhã passamo-la devagar, sem pressas, a apreciar cada nova espécie, os hábitos diários e a extensa e marcante paisagem do Kruger, parando silenciosamente ao lado de elefantes que nos olhavam de soslaio. "Nunca esqueçamos a majestade e força deles. A tromba dele poderia facilmente virar o jipe se se sentisse ameaçado. Esta é a casa deles, não a nossa", lembrou-nos Michael. E foi com estas frases que deixamos o Kruger National Park e a África do Sul.
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Situado a 10 minutos da entrada Melelane do parque, o River House Guest Lodge é o local ideal para observar hipopótamos, visto estar junto ao rio onde os animais se alimentam e refrescam. Da longa varanda do hotel sob o rio, é quase possível tocar os elefantes que percorrem as margens alimentando-se e buscando alimentos das mãos dos hospedes do hotel. A vista (do deck ou da piscina se preferir) que, é também um miradouro perfeito do pôr-do-sol quente que África oferece, despoleta momentos difíceis de esquecer. Perca-se ainda a observar as várias salas do hotel carregadas de relíquias que o casal fez viajar de vários pontos do mundo.
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