ISLÂNDIA
Uma viagem à terra encantada
Coroa Islandesa
Islandês, Ingles
“Não sei o que dizer!” As palavras de Francis chegam-nos aos ouvidos cortadas pelo som do forte vento. Olho-o de soslaio, o corpo curvado de frio, os olhos azuis hipnotizados frente à enorme cascata Gulfoss. A água carrega um vento que nos parece atirar os corpos dos poucos turistas resistentes ao chão. Enregelados, de olhos postos na mesma direcção, as mãos a segurar os carapuços, apertando os casacos o máximo possível, tentamos manter os corpos firmes e os olhos abertos frente à imensa cascata coberta de branco, onde a água tomba num longo abismo. Tudo é rectilineo e branco e nós corpos que parecem demasiado pequenos frente à natureza imponente.
Do correr da água corre o vento que nos congela. Passos atrás e o grito do vento esmorece até que se desvanece, como se existisse agora uma porta entre nós e a tremenda queda de água. O calor do sol de Inverno regressa. Partimos para ver as Geysir num terreno onde o chão é gelo e os passos curtos e cuidadosos. Rimos das quedas. A terra é cortada por buracos circulares de onde a água quente é expelida violentamente, alcançando no máximo X metros. Perdemos o momento numa distracção. Olhamos o relógio. Esperamos cinco minutos pelo próximo. Uma pequena bolha que, em segundos, se transforma numa bolha gigante explode e eis o jacto de água de encontro ao céu como se a terra gritasse água. Segundos depois desapareceu. O comprimento tem diminuído com o tempo, explica-nos o guia. Existem agora buracos onde a água apenas borbulha. Por isso, sentamo-nos nos bancos frios de madeira, rodeados de fotógrafos de câmara em tripe à espera do click perfeito, e absorvemos o espectáculo natural certos de que num futuro próximo este momento possa deixar de ser possível. No entanto a viagem tem de continuar. Seguimos de dedos cruzados, num estranho dia de céu limpo e azul na Islândia, na esperança de que a noite nos traga auroras boreais.
Há um silêncio sedutor, estranho aos ouvidos, fácil de assimilar, pelo qual a natureza nos fala. O som da neve e do gelo a estalar com o calor do sol, percebendo os pequenos vislumbres de Primavera. A voz do guia ‘acorda-nos’. X testa o microfone novamente. Vemos-lhe os olhos e os cabelo claros pelo retrovisor e enquanto conduz atira boca fora a história de cada um dos locais, como se a contasse pela primeira vez, enquanto olhamos pela janela da carrinha os vulcões adormecidos e recuperamos o calor. O sol desce lentamente de corpo por detrás das montanhas, fazendo com que os longos campos brancos pareçam agora um quente cobertor laranja onde nos apetece deitar. Percorremos quilómetros e quilómetros deste branco enquanto a carrinha segue em direcção ao parque nacional. Com o pôr do sol, o extenso lago no Parque Nacional Thingvellir transformou-se numa mistura de azuis envolvidos num amarelo quente. Nos campos que o rodeiam repousam cavalos, selvagens, livres, de cabelos longos, como se tivessem crescido sendo ainda póneis, roçando os pescoços entre si. Uma casa aqui. Outra acolá. Como pequenos pontos coloridos mergulhados numa imensa solidão apaziguadora, resguardadas por montanhas de rocha negra. O carro desliza mais alguns quilómetros. Segue-se um longo silêncio como se nos faltassem as palavras, engolidos por uma tremenda paz interna.
Escasseiam as viaturas, enquanto o laranja se transforma em vislumbres de violeta quando, repentinamente, o oceano nos parece engolir a estrada. Uma variada paleta de cores começa lentamente a esconder o imenso branco até que o consome quase totalmente. Estamos de volta Reikjavik. As palavras também.
No território das cores
Tinha os olhos presos na sua barba enquanto o ouvia. Os homens islandeses são marcantes. Fortes, de barba espessa. Diríamos nós: “homens de barba dura”. Os cabelos e os corpos são vigorosos como se, de certa forma, a robustez do homem primata lhes tivesse ficado no ADN até às gerações presentes. As palavras saiam-lhe seguras da boca. Cheias de certeza. “Não há outro sitio onde queira estar.” E o orgulho era-lhe visível nos olhos. Um orgulho de fazer inveja. Magnus atravessou o mar do Norte para a Europa e para a América, mas, dizia-me ele, “não há terra mais mágica que a Islândia”. Sorriu. E levou à boca o enorme copo de cerveja islandesa.
O avião aterrou num imenso deserto branco e o carro deslizou durante uma hora por uma estrada sem curvas num cenário totalmente cândido e sem relevo, ausente de qualquer vegetação. Nem uma árvore. Nem uma planta. Nada. Apenas neve. Branco e mais branco. Lentamente, cumes de montes começaram a surgir no horizonte. Montes que, com o rodar das rodas, cresceram em tamanho e largura até os avistarmos por completo, forte da cidade. Ali, num imenso vale, protegida pelo tremendo Monte Esja, rodeada pelo gelado e parado mar do Norte, um quadro cheio de cor onde o branco se perdeu entre as pequenas casas de telhados em forma de triângulo. Casas vermelhas, amarelas, azuis, verdes, ... sem arranha-céus que as pudessem esconder. Reikjavik.
Entramos na cidade como se entrássemos numa tela, esquecendo o céu cinzento, enquanto o taxista num inglês imperfeito aponta para os principais pontos da cidade e nos explica o que são. Soltamos um sorriso a olhar a rua principal que atravessa a cidade, o parlamento e a igreja. Reikjavik parece-nos uma vila dentro de uma cidade, com pequenas janelas rectangulares e cortinas rendadas. A Islândia prende-nos pela boca. Como se fossemos um peixe. Surpreende-nos pelo calor humano que não se espera de uma terra fria. Seduz-nos antes que consigamos criar corpos de defesa. É um suspiro constante. Há sempre cerveja. E cocktails. E sopa no pão que nos traz verão ao corpo. E bares cheios de gente. Como este onde estamos neste domingo à noite. Ele fala-me dos muitos concertos. Dos escritores. Das agendas recheadas de cultura. Magnus é jornalista de imprensa. Radialista. Professor. E um amante firme da terra. Esta terra está cheia de amantes firmes do seu país. Não conheci ninguém que não o fosse. A tremenda crise económica parece ter desaparecido, os políticos que governavam a Islândia quando a crise estalou voltaram ao poder e os preços elevados parecem apenas chatear os turistas.
Acordamos com uma recepção cheia de novos turistas. Numero/Percentagem de turistas. Entramos num carro para fazer um percurso que poderia ser feito caminhando por entre ruas estreitas e casas pequenas em direcção às piscinas onde a água extraída do solo varia entre os 32 e os 43 graus. O dia amanheceu frio de um Inverno de fins de Fevereiro numa ilha onde a estacão é gelada e o Verão dificilmente ascende os 20 graus apesar de o sol brilhar 24 horas. Chegamos. Miguel, olhos azul mar caribe, sai do carro excitado por nos fazer experimentar “a mais tradicional das actividades islandesas”, enquanto observamos um conjunto de piscinas exactamente semelhantes a uma piscina municipal, no meio de um terreno coberto de neve. O discurso entusiasmado continua numa analogia entre o espaço e as antigas termas gregas onde os homens se encontravam para falar sobre o mundo e traçar negócios futuros.
A viagem não termina aqui. Ainda andaremos a dar braçadas na Lagoa Azul, uma das maravilhas do mundo. E que maravilha... Agucem a curiosidade com esta fotografia.
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